Pulando a cerca no isolamento
Aplicativos que prezam por segurança e mistério para quem busca relacionamentos sigilosos têm aumento de downloads na pandemia

Ficar em isolamento talvez não tenha sido um problema para as pessoas que buscam casos extraconjugais. Para tudo que as pessoas buscam e se interessam atualmente, há um aplicativo que pode ajudar, inclusive quando o assunto é traição.
Aqui no Brasil, durante o período de março a setembro, o número de downloads dessas plataformas cresceu e pessoas comprometidas andaram buscando, ainda mais, escapar da rotina com seus parceiros.
Prezando pela segurança e descrição, esses apps mostraram que mesmo em período de isolamento em que muitos casais tiveram um maior contato em casa, ainda houve um interesse alto na busca por casos as escondidas.
Um exemplo deles é o aplicativo Ashley Madison, criado em 2001, e um dos mais famosos no segmento que oferece “casos e namoros discretos entre casados”. Em pesquisa realizada neste ano pela empresa, o Brasil foi o segundo país com maior números de downloads desde o início do isolamento, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
No levantamento feito pela plataforma, além de 34% das pessoas que utilizam o app declararem que estavam preocupadas em ter alguém com quem trair após a pandemia, 24% afirmaram que o papo com outros usuários que também buscam discrição e sigilo é "uma grande distração".
Em outras porcentagens menores, os usuários explicaram que o uso do app era apenas para ter "alguém com quem conversar" (14%), "ajudar a manter um senso de normalidade" (13%) e uma "maneira de manter a libido" (10%).
Em contato com a psicóloga Maria Manuela Barros, que tem especialização sistêmica de família e casais e está se formando em Sexologia Clínica, ela comenta sobre uma das razões para o aumento de downloads dessas ferramentas.
“O isolamento e a hiperconvivência tendem a expor uma fragilidade, uma ferida possivelmente prévia e pouco acessada pelo casal. O aplicativo tende a ganhar espaço neste ambiente vulnerável”, explica a psicóloga.
“Quando este tipo de comportamento não está acordado entre ambos e se configura como deslealdade e/ou infidelidade, esse possível escape pode ser ação chave para o futuro do casal, servindo como termômetro entre um ficar ou pular”, completou Manuela.
Ela ainda comenta que o cenário de isolamento influencia nas nossas convivências, principalmente com as pessoas que temos ainda mais perto e dentro de um mesmo ambiente.
“As relações estão sempre mediadas por outras pessoas e atividades, e quando o cenário altera e as pessoas se extinguem, o casal é convidado a olhar para dentro, para a relação. Sem contar no acúmulo de funções também geradoras de estresse e impaciência. Esta é uma oportunidade de verdadeiramente esclarecer os alcances relacionais, de renovação ou distanciamento dos votos”.

Mas não é só o Ashley Madison que atua no ramo de relações secretas e sigilosas. Ysos, Victoria Milan e apps que oferecem fotos e textos com limite de visualização temporários, são alguns que faturam com as puladas de cerca.
Para Maria Manuela, nem sempre essas ferramentas são uma boa alternativa para os comprometidos, principalmente se a característica do sigilo leva a omissão de um assunto que não foi discutido dentro de um relacionamento.
“Avalio como algo possível, mas não necessariamente saudável. O saudável tem a ver com o que este sujeito deseja para si, enquanto solo e enquanto parceiro”, comentou.
Como funcionam
Os aplicativos prezam por oferecer, acima de tudo, mistério. Desde suas características de identidade visual, até as ferramentas para utilização das contas pelos usuários, as plataformas usam estratégias que tentam, ao máximo, deixar um suspense sobre do que elas realmente se tratam. Os ícones são simplistas e os nomes tentam não revelar qual serviço é oferecido.
Além dos dados básicos para criar uma conta, como e-mail e senha, as plataformas exigem um perfil básico sobre suas características físicas e interesses que buscam com o serviço, podendo optar por uma série opções que vão dos extremos: “caso virtual” ao “vale tudo”.
Geralmente, não é obrigatória a utilização de fotos nos perfis. No caso do Ashley Madison, o uso de imagens é opcional, mas os usuários podem colocá-as normalmente, ou utilizar uma frase de chamada para se apresentar.
Para quem opta por usar suas fotos, existe a possibilidade de dar um maior mistério para elas usando algumas edições, como tarjas ou máscaras para cobrir o rosto. Dentro de cada conta no app cabe ao usuário decidir se quer exibir imagens explícitas em sua galeria ou não.
Entretanto, há aplicativos que tentam, ainda mais, preservar a identidade dos usuários e proíbem qualquer foto de perfil que identifique a pessoa à primeira vista. Para o Ysos, fotos integrais de rosto que identificam as pessoas diretamente pelo perfil, não são permitidas. Apenas na galeria interna é possível colocar fotos da face por completo.
Caso você tente fazer uso de imagens que te identifique, a plataforma a retira automaticamente e sugere uma substituição que foque apenas em olhos, boca ou parte do corpo.
Se tratando de trocar contatos e mensagens, cada app funciona de uma maneira. Para o Ashley Madison, é necessário mexer no bolso para investir nos casos secretos, já que para enviar mensagens é preciso comprar créditos.
Uma forma gratuita de iniciar uma interação é enviando “presentes”, como fotos sugestivas para sexo, brincadeiras ou utilização de objetos eróticos na relação que procura.
Buscar pessoas é a etapa mais simples, já que os feeds estão repletos de contas que podem ser roladas pela navegação e abertas com apenas um clique quando se tem interesse. Assim como outros recursos mais comuns de interação de relacionamentos virtuais, filtros de orientação sexual, distância entre usuários e breves descrições das pessoas, ajudam a delimitar a procura.
O Ashley Madison deixa bem claro que o desativamento de conta ainda deixa as mensagens trocadas registradas, para o caso do usuário decidir reativar o serviço. Para as pessoas que optam por excluir em definitivo, a conta será apagada, mas os dados podem ficar no sistema do app por até seis meses.
Há outros que oferecem uma maior segurança, como o Ysos, que em seus Termos e Condições garante a Lei de Proteção de Dados aos usuários.
A relação de obtenção de dados geralmente é exclusiva dos sistemas dos aplicativos ou do que a pessoa opta em comunicar para outro usuário. As plataformas possuem a possibilidade de habilitar senhas de acesso e não permitem que as telas sejam capturadas, evitando rastros através dos famosos prints de mensagens ou fotos trocadas.
Dia a dia dos traidores
A infidelidade não só gera lucros para os aplicativos, como também gera pautas para produções de conteúdo sobre o tema.
O Ashley Madison não só funciona como um app, como possui um blog que é alimentado constantemente com textos de dicas, orientações, estudos e pesquisas feitas pela própria empresa com seus usuários.
Em 2018, por exemplo, a plataforma fez um levantamento que resultou na “Anatomia do Traidor”, uma série de características físicas e comportamentais que, segundo o material publicado, define se uma pessoa é mais propensa a trair ou não. O tipo de animal doméstico da pessoa e o signo são alguns dos tópicos envolvidos nos perfis.
Outro levantamento são as cidades com maior potencial de uso para o app ou “Melhores cidades para infidelidade”. No Brasil, as regiões Sul e Sudeste lideram com os centros urbanos onde é mais fácil conseguir um relacionamento extraconjugal.
Com foco em atendimentos na capital baiana, a psicóloga Maria Manuela comentou que seus atendimentos continuaram estáveis na perspectiva das traições como uma pauta entre os casais e explica quais fatores influenciam para o surgimento do problema ou para a insegurança sobre a fidelidade.
“Nos atendimentos de casal, a infidelidade e/ou deslealdade são questões usuais, mas não presentes em todos os casos. Outros fatores conduzem um casal a buscar auxílio psicoterapêutico, como comunicação com ruídos em demasia, acordos e combinados não levados adiante, crenças distintas sobre o que é ser casal, chegada do novo papel da parentalidade, dentre outros”, explicou.
“No meu recorte de atendimento, essa demanda se manteve estável. O desafio maior ligado a sexualidade foi de indivíduos solteiros que, naturalmente, seguem demandantes de relacionamentos afetivo-sexuais”, finalizou.