Sexo, amor e pandemia

Segundo a psicóloga e sexóloga clínica Ana Paula Pitiá Barreto, o tema sexualidade ainda está envolvido em muitos preconceitos, de maneira que para muitas pessoas, o assunto é um grande tabu.
Essa ideia de proibição e inadequação geraria problemas para que homens e mulheres não usufruam plenamente da sexualidade, estando submetidos a dois fatores, em especial: pressão (originada do machismo) e opressão (entre as mulheres), responsáveis por fazerem “as pessoas normalizarem as dificuldades relacionadas à vida sexual”.
No momento em que a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) causa isolamento social e, na sua esteira, por um lado, obriga casais à superexposição e, de outro, dificulta que solteiros encontrem pares, conversamos com a psicóloga para tentar entender como isso pode afetar a saúde sexual das pessoas. 2
Quais efeitos psicológicos mais recorrentes o distanciamento social pode causar e de que maneira isso pode refletir no exercício da sexualidade?
O sofrimento psíquico trazido pela pandemia vai causar impacto que poderá atingir toda a qualidade de vida dos sujeitos, inclusive a sexual. A pandemia ativa o que a gente chama de vulnerabilidade, pois origina uma sensação profunda e real de falta de controle. A covid-19 chega de uma hora para outra fazendo com que nós, sem planejamento prévio, refaçamos toda nossa vida.
Além disso, a falta de perspectiva por não saber como se posicionar em relação ao futuro, por si só, traz sofrimento psíquico. Qualquer sofrimento afetará a qualidade de vida sexual, uma vez que uma pontinha de preocupação em qualquer área pode tornar difícil a entrega à experiência da sexualidade, pois para podermos usufruir dela, precisamos estar plenos e nos entregar profundamente.
Quais as maiores dificuldades de se falar sobre sexo?
Acredito que falar de sexo em si. O sexo é algo normal, mas é muito íntimo. Então, eu acho que falar de sexo desse lugar, normalizar essa experiência íntima, que faz parte da vida de todos nós, é a maior dificuldade para as pessoas.
Por conta de questões culturais e religiosas, a forma como o sexo se estrutura na sociedade faz com que ele pareça algo inapropriado. Tome, por exemplo, a ideia dos sete pecados capitais e você vai ver que a luxúria é um deles.
Então, o sexo ocupa esse lugar da inapropriação e não da intimidade, que são coisas diferentes. Como eu disse, o sexo é algo íntimo, mas é algo normal. No entanto, dentro da cultura, ele toma esse aspecto de inapropriação e como não se conversa sobre isso, essa ideia passa de uma geração a outra e daí decorre a dificuldade de falar sobre o assunto.
E na pandemia, essa dificuldade aumentou?
Não vi diferença na pandemia em relação ao aumento das demandas ligadas à sexologia clínica. No entanto, o crescimento do sofrimento psíquico ocorreu e assim, sem sombra de dúvidas, haverá uma repercussão na qualidade da vida sexual. Contudo, eu não atribuo isso diretamente à sexologia. Seria algo do tipo: pandemia + sofrimento psíquico + impacto na saúde sexual.
De que forma isso pode interferir no tratamento clínico?
Do ponto de vista da clínica psicológica, boa parte das questões vêm por conta de crenças disfuncionais a respeito do sexo e da sexualidade. Por exemplo, a ideia de que o sexo é algo inapropriado, envolto numa ideia de transgressão. Então, uma das coisas que a gente precisa olhar é justamente essas crenças disfuncionais e cuidar delas dentro dessa perspectiva.
Então, falar sobre sexo é ainda um grande tabu para as pessoas?
Sim, falar sobre sexo ainda é um grande tabu. Eu acho que de um tempo para cá a gente vem avançando, mas o tabu ainda existe, infelizmente. Se pararmos para pensar em 1920 e pegarmos, por exemplo, o filme “As Sufragistas”, o que veremos é o retrato de uma sociedade cheia de tabus com relação à questão de gênero e, consequentemente, a todo esse conceito que perpassa o sexo e a sexualidade.
Ou seja, cem anos após a década de 1920, vemos que há uma repetição dos mesmos padrões em relação a algumas questões de gênero, como a pressão e a repressão, segundo as quais o homem tem de ser viril, ter muitas parceiras sexuais, enquanto a mulher tem de ser recatada e, aquela que decide usufruir de sua liberdade sexual, se torna alvo de críticas.
Quem tem mais dificuldades de falar sobre sexualidade, o homem ou a mulher?
Sob perspectivas diferentes, tanto homens quanto mulheres têm a mesma dificuldade. Eu costumo dizer que as mulheres apresentam dificuldades, problemas sexuais, por conta da repressão; os homens, por conta da pressão.
Eu acredito que há uma questão de gênero, machismo, então a pressão sexual que o homem sofre em torno de sua própria sexualidade acaba atrapalhando e dificultando; e a dificuldade da mulher se dá por conta da repressão, que citei anteriormente.
Poderíamos falar de um perfil do paciente que recorre à terapia?
Para a terapia com enfoque na sexualidade não há um perfil. São mulheres que sentem dor na relação sexual, mulheres com dificuldades na penetração, no desejo; homens com disfunção erétil, com ejaculação precoce. Então não há um perfil preciso.
Indivíduos ou casais em terapia precisaram parar o tratamento devido à pandemia? E como ficaram durante este período?
A pandemia trouxe vários impactos, ou porque as pessoas não tinham privacidade em casa, ou porque as pessoas passaram por uma questão de insegurança econômica por conta de todo o cenário que a doença causou.
O Conselho Federal de Psicologia recomendou então o atendimento on-line, que já era uma realidade regulamentada. Com a pandemia, o atendimento virtual se expandiu ainda mais, no entanto, não há diferença no atendimento ao paciente nem na relação deste com o psicólogo.
Qual é a dificuldade de trabalhar com sexologia em Salvador?
Eu acho que ainda tem muito preconceito, ainda é um grande tabu para muitas pessoas que normalizam demais algumas dificuldades sexuais. Então, por ser um tabu, elas acabam não buscando ajuda. Não é um preconceito com a sexologia, mas por conta de um tabu em torno da sexualidade, que faz com que as pessoas acabem normalizando as dificuldades sexuais.
Por exemplo, uma mulher que sente dor nas relações sexuais acaba muitas vezes normalizando (essa dor). Por isso, a importância de a gente falar sobre o assunto, para que as pessoas possam entender que algumas coisas que não são faladas, mas que se acredita serem normais, podem, na verdade, ser tratadas, têm solução.